domingo, 25 de junho de 2017

Resenha Crítica: 1984, George Orwell

ORWELL, George. 1984. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. 414 p.

O clássico moderno 1984, escrito pelo autor britânico George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, é uma distopia romântica redigida e publicada no final da década de 1940 em um cenário pós Segunda Guerra Mundial e de avanços tecnológicos, como a criação do primeiro computador eletrônico e do avião a jato. O livro foi escrito em 1949, poucos meses antes da morte do autor, que quando escreveu a obra, buscava descrever, não metaforicamente, mas como uma previsão, o totalitarismo e repreensão do século XX nos futuros anos 80.

O enredo tem Londres como cenário (no livro, chamada de Oceânia) e descreve como a população da Oceânia vive, com características que Orwell acreditava que iriam existir, como a Novafala (a língua ganha novos termos, palavras do passado são apagadas) e as Teletelas, um mecanismo utilizado principalmente para monitorar a população. O livro 1984 é dividido em seções: a Parte I, com mais oito subdivexplica a sociedade onde Winston Smith está inserido; a Parte II, com dez subdivisões em que há o desenvolvimento das condutas rebeldes no protagonista; e a Parte III, com cinco subdivisões, em que é apresentado o desfecho da história. Além disso, a edição da Companhia das Letras tem o Apêndice com informações sobre os princípios da Novafala, e Posfácios, que abordam os fatos “finais” do livro, fazendo um breve resumo.

A obra distópica retrata uma sociedade completamente dominada pelo Estado, em que Winston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, é o protagonista que conduz a narrativa, relatando o seu ponto de vista acerca do cotidiano na Oceânia, que se encontra em guerra com a Eurásia, mostrando ao leitor seus pensamentos secretos a respeito dos Proletas, Ministérios (Amor, Verdade, Pujança e Paz), Partido e, principalmente, do “Big Brother”, em tradução literal, “Grande Irmão”, ser que comandava a tudo e a todos. O livro relata o processo dos pensamentos críticos de Winston, até ele se tornar contra o Partido.

Dessa forma, no decorrer do livro, é apresentado o governo que inspeciona rigidamente a população através de teletelas, que servem para transmitir mensagens oficiais e programas rotineiros, mas também para observar os indivíduos em todos os lugares, visual e sonoramente, vinte e quatro horas. O partido também possui uma burocracia complexa, membros especializados na captação de condutas rebeldes e a própria guerra para alienar os membros do Partido Externo. A sociedade praticamente não possui mobilidade social e é dividida em três estamentos: Núcleo do Partido, do qual fazem parte os indivíduos mais abastados e controladores, Partido Externo, composto pela massa supervisionada, e os Proletas, indivíduos abandonados na miséria e à margem de todo o sistema.

O ponto principal da obra é essa realidade totalmente controlada a que a população está submetida, mas que poucas pessoas se sentem incomodadas, sendo profundamente manipuladas. As relações no livro mostram-se extremamente superficiais. Amizades são raras, e os casamentos, em sua maioria, arranjados e com um objetivo único e pró partido, a procriação. Até mesmo ligações entre pais e filhos são calculadas; a obra relata que se testemunhassem algum tipo de duplipensamento, progenitores e genitores denunciavam um a outro, sem a menor hesitação.

A sociedade descrita no livro é bastante tecnológica, e existem mecanismos que podem ser relacionados com os que estão presentes na sociedade atual, como nos estudos da sociedade em rede de Manuel Castells (2012). As teletelas, o controle governamental e a polícia do pensamento que são retratados em 1984, que pode transformar a cultura de uma sociedade. As tecnologias digitais atuais como a internet e as mídias sociais têm certo controle sobre o que o indivíduo faz na rede e, podem ser comparadas ao que Castells considera como poder do sistema tecnológico, que pode, até mesmo, prejudicar os usuários pela falta de privacidade.

As teletelas representam os meios de comunicação de massa, a tecnologia eletrônica da sociedade e a audiência televisa de canais únicos e horários fixos para todos. Desta forma, de acordo com os estudos de Lucia Santaella (2007), se enquadra na tecnologia da difusão, juntamente com a máquina sensória, pois amplia e potencializa a capacidade de percepção do homem. Castells (2012, p. 415-422), em “A cultura da virtualidade real”, também analisa a televisão como um modo predominante de comunicação em destaca o poder hipnótico da TV.

Winston Smith, por volta dos 40 anos de idade, começa a acordar da alienação vigente e entra no que a cientista política alemã Elisabeth Noelle-Neumann (1993) chama de Espiral do Silêncio. Nesta teoria, as pressões públicas, juntamente com outros fatores, fazem com que os que possuem opiniões diferentes calem-se diante de um ponto de vista popular e até modifiquem sua ideia primária em decorrência de uma posição majoritária, como no trecho:

Durante os Dois Minutos de ódio, não era possível deixar de participar do delírio geral, mas aquele cântico sub-humano "G.I.! ... G.I.!" (Grande Homem) sempre o enchia de pavor. Naturalmente, cantava com os outros: seria impossível proceder doutra forma. Dominar os sentimentos, controlar as feições, fazer o que todo mundo fazia, era uma reação instintiva. (ORWELL, 2009, p. 27

Isso ocorre com o protagonista da obra, quando surgem dúvidas e oposições ao Grande Irmão e suas leis, Smith não consegue expressar sua opinião, a influência de outros é tão grande que ele se retraí. Quando Winston conhece Julia, funcionária do departamento de Ficção, e se apaixona por ela, o protagonista consegue, aos poucos, sair da Espiral do Silêncio. Os dois compartilham ideologias parecidas e enxergam no personagem O'Brien a chance de entrarem na Confraria, facção contra o Grande Irmão e o Partido, entretanto descobrem que O'Brien é realmente um membro do Partido, não da confraria como se mostrou a eles.

Após ser torturado incansavelmente, Winston entra em um novo "nível" da espiral, passando a realmente crer naquilo que lhe era dito, sendo assim totalmente manipulado e vivendo como a maioria. Essa manipulação do Partido pode ser compreendida também a partir dos estudos de Santaella (2007) sobre a Metáfora do Espelho, pois há notoriamente uma manipulação social. Essa metáfora explica que há representações midiáticas, como os programas de TV, que refletem o real como ele é e outras que falseiam o real.

Relacionando às concepções de Tecnófilos, Tecnófobos e Neomarxistas desenvolvidas por André Lemos (2002) e Francisco Rüdiger (2011), observamos Winston como Neomarxista, pois ele não transmite aversão à tecnologia, mas sim a crença de que um equilíbrio é necessário. Já o Partido pode ser considerado Tecnófobo, pois os membros tinham pavor do avanço tecnológico, temendo não terem mais o controle da sociedade. Eles usavam apenas das tecnologias da difusão para manipular, mas não incentivavam a evolução tecnológica.

O livro 1984, apesar de ter sido publicado em 1949, dialoga com estudiosos do século XXI , porque consegue retratar até mesmo algumas questões atuais. A manipulação e repressão, por exemplo, existem de fato até hoje, podendo não ser da mesma maneira representada no livro, mas ainda assim presentes na atualidade. Portanto, também pode ser compreendida a intenção de Orwell em apresentar uma profunda e pertinente crítica social através da obra.

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